sábado, 23 de outubro de 2010

NA LAPA, NA BARRA OU EM SENTIDO LEBLON


Encontro-me em um lugar desconhecido
Daqueles que nunca frequentamos juntos
Lembro-me de ti em cada coisa que vejo
Dos teus ideais de liberdade
Concretizados nesse lugar
Tão diferente, tão diversificado
Te vejo na mesa do bar
Na decoração antiga
Nos discos na parede
No copo de chopp
Na malandragem dos rostos cariocas
No entusiasmo dos turistas
Nas conversas de canto de mesa
No cigarro
No aperitivo
Na música
Nos carros que passam
Nas horas que passam rapidamente
Nos casais, contemplando sua afinidade
Neste lugar tão seu, sem ao menos ser
Na poesia escrita em meio
Ao cinema
Ao livro
Ao intercâmbio cultural
Ao teatro
Aos lançamentos
Aos objetivos de vida
- sem objetivo algum -

Eis você aqui
Sem corpo presente
Escondido em toda tua particularidade
No teu mistério...
Tu estás presente sim
E eu estou de luto
Luto por não viver esse sentimento
Chegou o momento que eu mais temia
O momento em que fujo, desisto, entrego, sofro...

Estou aqui, sem estar
Bebo, sem beber
Fumo, sem fumar
Tento com dificuldades focar nos acontecimento
Não estou conseguindo
Somos apenas eu e o pequeno caderno
Com a caneta preta
- Preta do luto -
Preto da morte
Preto do vazio
Preto da junção de todas as coisas...

Meu corpo está aqui
Mas minha alma
Está vagando no infinito do nada
Na incapacidade de superar...

Sei que amanhã será outro dia
Depois outro
Ápos outro
E outro dia
Outro
E outro dia
Outro
E outro dia
Do outro dia
E finalmente a dor vai passar
A vida vai pulsar novamente
A dura realidade da existência virá
E tudo que escrevi até aqui
Pode não ter mais sentido
Pode ter perdido o sentido
Pode nunca ter tido sentido
Sei que isso vai acontecer
Só que neste momento
Tem o sentido de todo o meu sentimento
Me traz neste momento
O significado de estar sem estar
De ser sem ser
De existir sem existir...

Estou no Brasil em meio ao bucolismo da França
Estou no Rio de Janeiro com a intensidade das luzes de Paris
Estou parada, estática na intensidade de estar correndo sem parar
Sem conseguir parar
Sem vontade de parar
Sem poder parar...

Por fora riso
Por dentro choro
Por fora trama
Por dentro trauma
Só uma palavra me devora
Aquela que no momento me vem do peito 
Mas não me serve à boca
Indevida emoção, esse sentimento
Meu coração se nega
Não assumirei tal alarde
Sou covarde
Assumo a incapacidade
Silêncio...

O dia amanheceu
E a solidão emerge
Sinto tua falta
A madrugada pede a tua presença
Pede teu corpo com o meu
Teu cheiro
- Nossa sina -
Estamos fugindo de nós mesmos
Tentando não nos apegar
Ao perfeito sentimento do querer...

E me invade
E me perco
E me entrego
Mas aonde está você?

Te quero
Não posso...
Deixa
Vai passar...
Eu sem você
Você sem mim
Vamos viver um sem o outro
Ainda que hoje 
Essa saudade carregue
Todo o sentido do mundo.


Silene Morigi

Um comentário:

  1. Bela descrição, bela construção de paisagem, interior, profuso, catártico. Você se supera a cada texto, isso me apetece. Tomara que os receios não se unam aos ventos e assoprem para o infinito a necessidade de um instante. BEIJO GRANDE!

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